REcomeçar


Não sei bem o que dizer, o que tirar de cá de dentro... Sinto-me quase de luto.

A minha avó, matriarca da família, diz que arrepende-se de ter tido filhos. Custa ouvir. Mas deve custar mais ainda dizer. Porque ela ama os filhos apaixonadamente, capaz de matar ou de morrer por eles, como a maioria das mães.

Doi tão fundo que ultrapassa a alma, ver os filhos sofrer. Vê-los crescer e saír do caminho traçado, tão seguros que estavam quando ainda crianças.

Crianças já não são há muito. Mas continuam filhos. Filhos como os nossos, que aprendem agora as primeiras graças, que se iniciam na sua individualidade. São os mesmos filhos que lhe tiraram o sono, que levou a correr ao hospital nas maiores das angústias, outra e outra e mais outra vez.

Para mim são pais, mães, tios, tias. Sempre foram maiores que eu, já lá estavam antes de mim, e pareciam saber tudo.

Mas não. Não sabem tudo, e já tiveram vidas felizes e menos felizes, sonhos e planos e corridas ao hospital nas maiores das angústias com os filhos nos braços... Passaram a não dormir e se preciso a não comer, aprenderam uma nova vida e viveram-na como quem tudo sabe, como quem tudo viu e aprendeu a fazer. Os mesmos meninos que subiam às àrvores e a quem o mundo pertencia. Daí a verem os netos nascer foi um pulo. E é aí que deixo de saber o que escrever.

Porque as novas crianças parecem não ter avós.

Os avós de hoje ainda não venceram a luta da sobrevivência, ainda saiem de manhã e chegam só à noitinha, correm de um lado para o outro pelos dias e semanas e não chegam a ver os netos crescer. E os mais pequenos nem sabem o que é ter um avô que lhes constroi uma casa de bonecas ou uma avó que tem sempre mais uma história fantástica para contar.

Sinto-me de luto por isso, parece.

Porque o meu filho tem avós que nunca vê: uns porque vivem muito longe, num país onde todos falam uma língua estranha; outros que moram tão perto mas que foram apanhados pela merda da crise em que este país se meteu e que tentam sobreviver e desesperam dia após dia até ao fim do mês.

Posso ser ingénua mas acredito mesmo que vão conseguir. Os meus e os dos outros, que há muitos ainda em piores situações. Algo me diz que não se pode baixar os braços e que há que lutar muito, muito mas que um dia vão voltar a poder fechar os olhos e descansar. Um dia vão recuperar a sua saúde, as suas casas, a vida onde a deixaram. Tenho a certeza. E quero ajudar.

Mas até lá não há avós. E para muitos outros, nem pais há. Como será esta geração daqui a vinte anos?


E nisto, o M. acaba de entrar neste pseudo-escritório ondo me tento encontrar e prepara-se para usá-lo como casa-de-banho, tal é o sono. Sorrio. Apetece-me guardá-lo assim para sempre.


Não, venha o que vier, nunca me vou arrepender de ter tido um filho. E nunca vou esquecer as minhas raízes.


1 comentário:

Anónimo disse...

nem ela se arrepende. Quadno algo mau acontece dizemos sempre as coisas mais duras! porque se nao ela nao teria o M. q ama e todos nos! Ha frases q nao valem a pena. E avos encontraremos sempre mesmo q nao sejam "os avos". Acreditar, sempre, sempre. saudades muitas. a foto das cerejas :)